Há pouco a .txt terminou a tradução e legenda do K-CoreaINC.K de Ryan Trecartin.
No filme o artista cria um universo nos quais atores encarnam seres do mundo empresarial atravéd de uma “nuvem de alegorias com os estereótipos nacionais (norte-americanos) voluntariamente reduzidos”. Esses seres chamados: Koreas interagem no filme em reuniões, orgias e encontros sem fim.
No texto do filme, Ryan radicaliza a linguagem usada pelas Koreas criando palavras-montagem – Evidentual– ou Relativital e paranomásias (semelhança dos significantes) do tipo: Fuck my Blackberry! / I Want a Raspberry .
Na tradução tratamos o material de modo a manter a carga de sentido sem perder as aliterações, assonância e demais aspectos fônicos das falas. Em resumo, tratamos o texto como poesia. Porém houve um aspecto do trabalho de difícil trato, o tipográfico.
Ryan no roteiro, usa caixas altas, grifos, cores, reticências e demais sempre escapando do seu uso gramatical (função), ressaltando o aspecto puramente gráfico da escritura ou por vezes, rompendo a linearidade do texto.
Nesta dimensão notamos no texto de Ryan uma interessante relação com o poema O Guesa de Joaquim Sousândrade, principalmente nas suas sessões (Cantos II e X) “Tatuturema” e “Inferno de Wall street”, escritos entre 1857 e 1888.
Neles “sua estrutura rítmica é tensa e rápida”. Os jogos léxicos, gráficos, tipográficos e estruturais do poemário são diversos:
“As estrofes são impressas em corpo menor em relação ao restante da obra, e precedidas, cada uma delas, de linhas em prosa, grifadas no Canto II e composta de corpo tipográfico ainda menor no Canto X (…). Curioso “achado” é o uso do duplo travessão para indicar a intervenção de uma segunda personagem nos diálogos”
Colocando os artistas numa linha do tempo crítica e não linear ambos parecem tratar do feroz capitalismo, no Inferno de Sousandrade, a bolsa é o “alimento perpétuo da lucromania”, em Ryan as próprias Koreas parecem seres-ações, histéricas e flutuantes, como são os processos da bolsa.
Sousândrade (1888):
(NORRIS, Attorney; CODEZO, inventor; YOUNG. Esq., manager, ATKINSON, agent, ARMSTRONG, agent. P.Offmann & VOLDO, agents, algazarra, miragem; ao meio,o Guesa:)
-Dois! três! cinco mil! se jogardes
Senhor, tereis cinco milhões!
=Ganhou! ha! haa! haaa!
Hurrah! ah!..
-Sumiram… seriam ladrões?…
(X, 5)
Ryan Trecartin ( 2009)
MK: If your not careful your extensions will Reorganize
IF your Indentity forms a UNION! I’ll Bill you Later=*
*You will have No Freedom Control,
I sent you a = Mother Soul Freedom=,
Your community service Starts=NOW=,
(…)
USAK: Compassicolic-Ish-Us ” Capital Structure” What?
OK! Re-Write+
CORRECT*
*Compassionate Capitalism, YEAH,
Re-Create, … PANGEA!
Passados mais de 100 anos entre uma e outra experiência – do inferno de Wall Street a infoesfera infernal, ao semioinferno atual- vemos aprofundar as con(tra)dições do capitalismo. É sabido que no semiocapitalismo a produção de sentido devém “parte do ciclo de produção de valor. Produzir significado já não é a finalidade da linguagem”.
Nosso alento é que em ambas experiências a linguagem é o campo último da resistência, da vida. E parece que tanto para eles – Sousândrade, Ryan- e para nós ” viver é defender uma forma”… então sigamos…
K-CoreaINC.K, 2009 Ryan Trecartin: https://vimeo.com/5841178
– Referências Bibliográficas
Campos, Augusto e Campos, Haroldo. Re visão de Sousândrade.Ed.Perspectiva: São Paulo, 2002
Bifo, Franco Berardi. Generación Post Alfa- Patologias y imaginários en el semiocapitalismo, Ed. Tinta Limón: Buenos Aires, 2010